Imagine que você mora no campo, no mato, na roça. Sai de
casa e, na porta, olha para frente, além da porteira, e vê árvores e um
caminho. Olha para trás e encontra mais árvores e além um pasto. Para os lados,
idem, idem. Se gritar uma gralha pode responder, por coincidência. Ao longe, a
silhueta do morro faz um pouco de sombra no horizonte. Dá para ouvir cães
ladrando talvez à esquerda ou direita, já que ressoa, confunde. Vento. Movimento
de folhas. Silêncio.
À noite, grilos ou sapos fazem uma seresta para você. Especialmente
para você, já que ninguém mais vai ouvir. A lua resplandece, quando há lua,
refletindo as nuvens do céu outonal. Faz até um arco-íris surpreendente no
escuro. Você pode chamar de solidão, mas é calmaria. Algumas naus se perderam
em seu périplo durante calmarias, mas não sendo mar, você só fica à deriva se
quiser.
Pode haver um pio de coruja. Um rufar de asas de morcego. Alguma
outra coisa sinistra, porque a noite é sempre sinistra mesmo quando há lua,
porque à sombra dela tremulam as folhas e galhos que há por perto, e porque a
imaginação, sempre a imaginação, vai relacionar o silêncio, a noite e o sozinho
com coisas sinistras. O mundo todo com medo e você confortavelmente toma um chá
bem quente à beira do fogão à lenha. A fumaça do fogão à lenha, sim, também
sinistra.
Então, num passe de mágica você vai parar na cidade, como se
fosse sua sina morar no centro. Na sua janela o carro passa voando, sem parar. As
pessoas andam a pé, conversando. Da porta você vê todas as casas vizinhas
enfileiradas e preguiçosas. Não, ninguém está debruçado no parapeito da janela,
ou no portão, o movimento dos passantes não mobiliza seu aceno. O telhado do
vizinho pinga no seu quintal. E você ouve um telefone tocar como se fosse o seu.
Não é.
A cidade agitada rompe o silêncio, mas ainda não fala com
você. Falta algo. Um elemento humano. Um sinal de paz. Um olhar conhecido. O telefone,
o seu, não toca. Mudo. As luzes da rua acendem antes mesmo que a noite comece. Todos
os espaços ocupados pela luz. A calçada iluminada espera pelos passos do
calvário. Sem sombra. Sem sonho. Uma moto passa roncando o motor como se fosse
tremendo. Não deu para ver quem era.
Você aumenta a atenção e consegue distinguir os sons de uma
televisão nas proximidades. As pessoas esperando a vida passar. Talvez haja uma
família reunida em torno da mesa de jantar. Ou talvez a família já não se reúna
mais. Você pensa no que comer, depois deitar para esperar amanhecer. E assim,
os dias entrelaçam uma trama que você chama de vida. A sua vida.
Para que a pressa? Para ganhar tempo. Tempo de vida? Quando?
No final da vida. Mas a vida é só a vida, não é uma corrida com uma linha de
chegada. Não é uma questão de geografia, de relevo ou meio ambiente. Não depende
da densidade demográfica da redondeza. Nem da lua cheia. Nem da cheia do rio. Ou
do barulho dos sapos.
Então, você, por pura perplexidade, fica na porta da casa
olhando o mundo inteiro passar na sua trajetória decidida. Se chover, você se
salva. Corre para dentro e volta para a vida que levava. Mas se não chover, se
nada acontecer à sua frente, você vai poder experimentar um pouco mais, uma vez
mais, o renascer. Escorregar da placenta, expulso irremediavelmente do conforto
apertado de um útero vazio para o sem-sentido diverso e externo. Poesia. Você fazendo
rima. Ou sem rima. Você não fazendo nada. Apenas olhando para dentro. O peito
batendo em uníssono com o pulsar de uma música ao fundo. Viver é bem melhor com
fundo musical. Mas o que é viver? Melhor seria sonhar.
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