sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O que quero?

O que quero? Quero a vida que começa no chão, na terra suja por onde piso. Quero o mato que cresce desse chão se alimentando da luz. Quero a flor que nasce no mato, distraída e delicada, imperturbável ao vento e chuva, mas que desmorona com o calor do peito, da mão que toca. Quero a joaninha que caça na última pétala da flor que balança com seu peso antes que alce em vôo barulhento. Quero a sombra que o pinheiro faz em renda azul e verde escondendo o sol, quando há sol, mas quando chove, quero a gota que cai espaçada e cristalina, fria, batendo no meu rosto assim levantado e debutante.

Quero tudo. Quero estar com. Comigo, contigo, companheira. Quero a mão que espera o aperto. Quero o coração que bate com o sorriso que abre. Quero a sincronicidade de amar e ser amada, mesmo que não seja em condições normais de pressão e temperatura. O azul do céu é condicionante, o silêncio é condicionante. O mundo é cheio de condicionantes. Tudo que quero é relativo. Relativo ao tempo, ao humor do momento, ao estreito do abraço ou do abano da mão.

Quero mais ainda. Quero a felicidade declarada e não declarada. Aquela que se abre inesperadamente em instantes fugidios como o olhar de meia dúzia de cãezinhos de dentro da mala velha em que se encontram. A felicidade clandestina de reconhecer no vôo rápido um tucano de bico longo e verde. A felicidade silenciosa de se ver com o dever cumprido. A felicidade em si não, mas o que vem com ela na corrente sanguínea de prazer e evocação do belo, como se de repente a vida toda se tornasse apenas uma brisa leve de se levar, como se não houvesse mais dor ou tristeza possível de se viver, essa felicidade é que quero.

Quero tanto tanto que antes eu tinha até receio de reconhecer. Tinha medo mesmo de dizer. Mas agora estou dizendo. Quero a poesia perfeita, linda, linda, linda e tanto que faça chorar de emoção. Quero o olhar amanhecido de amor, porque se deitar de amor é mais fácil do que amanhecer amor. Quero a comida mais perfumada e saborosa que minhas mãos possam fazer para entreter minha razão que em geral é seca e estéril. Quero uma vida que se alarga com meu passar, e que seja livre das sombras que eu causo em me aproximar da luz. Quero a nota mais bela que minha voz consiga alcançar de uma vez só, um som que venha da alma, que venha de tão de dentro que eu possa ser reconhecida nela. Quero a quase dor que é o ser alegre num grito incontido.

Quero tudo isso para mim e para você quero não impedir que seja feliz, que seja quem você é, quem você queira ser. Quero não atrapalhar o seu caminho embora queira estar com você o caminho todo. Quero não causar dor em você na minha procura pelo meu querer. E se, em algum momento, meu querer seja diferente do seu querer, que possamos seguir ainda assim na companhia amorosa do querer bem.

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