Quando penso nas relações entre as pessoas, minha impressão é de que tudo que move os relacionamentos, sejam quais forem os motivos, é o poder, muito pouco a compreensão, muito pouco a cooperação. As relações se fazem por laços de poder. Quem pode mais. Mandar sim, pedir jamais, porque pedir é expor sua fragilidade.
Fui muito controladora outrora. Hoje delego o que posso. Pensava que não podia ser frágil, sensível, não podia mostrar meus defeitos. E então era assim, no recôndito da minha vida escondida, imaginada, eu era herói, forte e destemida. Para fora do meu casulo, eu era invisível, encolhida, tímida. Detestava minha timidez como se fosse um defeito. Então, tinha tantos amigos e divertidos que nem sei dizer quem era eu.
Eu já quis ser perfeita. Não admitia errar duas vezes a mesma coisa. Tentava ter sob controle todas minhas emoções. Em vão. Elas simplesmente me dominavam e me submetiam. Quando pensava que a situação estava controlada, estava lá fazendo papel de besta. É sempre assim. Você tenta desenhar tanto sua imagem que acaba vítima de si mesmo. Marionete de si mesmo.
Fui assim montando uma auto-imagem a tal ponto desencaixada que um dia me desconheci. Me perdi de mim. Olhei no espelho e não sabia quem era aquela figura que me olhava firme e desconcertante. Deprimi. Mergulhei tão fundo que cheguei a perder o ar. E da relação de poder que me movia, fui ficar do lado dos desempoderados. Eu nunca tinha me identificado com a vítima e lá estava eu, deprimida, sem forças, sem vontade de viver ou de morrer. Sem.
Não foi fácil aceitar o que passava. Nem foi fácil tomar uma decisão diante de tanta falta de convicção. Mas parece que estar vivo tem um fio de ouro invisível que nos faz acordar mesmo quando estamos morrendo de falta de vontade e por ali, como um tubo de glicose no sangue, vai brotando sem ser percebido um certo ânimo ou reação até conseguir que um braço ou uma perna responda e se mova.
Eu quero relações iguais. De iguais para iguais. Onde as pessoas possam dizer sem medo o que sentem sem se sentirem ridículas. Que nunca pensassem que o riso que provocam seja motivo para se sentirem palhaças. O riso é o primeiro passo para a soltura, para a espontaneidade. É o primeiro traço de que as coisas estão soltas, simples. O simples é tão leve.
Há alguns anos me mudei para uma cidade pequena em busca de uma vida mais simples. Quando me perguntaram o que era uma vida simples, não soube explicar. Hoje sem nem pensar qualifiquei o simples: leve. Leve como a nuvem que passa, o vento que passa, o rio que passa. Leve como a vida que não precisa doer, que não precisa pressionar, não precisa mandar.
E a vida? Talvez não seja mais que um modo de aprender a aceitar com firmeza e não com resignação as coisas, os fatos, as pessoas que passam por nossa vida. A trama do tecido que interlaça tantos nós e ainda assim é fino e delicado. Macio. Por que é tão difícil a vida em comum? Seja ela no trabalho ou em casa. A vida que se passa em conjunto, junto, íntimo. A intimidade é desconcertante. Ela parece sempre abrir uma cortina para o palco de uma guerra. E eu queria tanto a paz. A paz de saber que faço o melhor. Que tiro o melhor de mim. A paz de saber que o dia que passa é a vida que se ganha.
Sei que meu tom é de insatisfação. Mesmo assim, agradeço. Agradeço ter vivido até aqui para poder aprender com a beleza da natureza, das montanhas, dos riachos que correm seguros e gelados, aprender que se há beleza para ser vista é porque para ela fomos criados e, como ela, assim somos. Nada devendo a nenhuma cachoeira ou regato. Leves, em paz e belos.
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