Eu sei o que é ser um anjo caído. Aquele que foi expulso do paraíso. Aquele que tropeçou na própria asa e, ao invés de voar, foi ao fundo, caindo, caindo, sem ter fim. Sei o que é ter experimentado a alegria do infinito e depois se exilar para um quarto escuro.
Mas não sou anjo, bem sei. Sou apenas uma tentativa de metáfora. Será que deus faz poemas com as palavras que inventou? Talvez eu quisesse ser um poema divino e fiquei no meio da frase. No meio do caminho.
Agora, na companhia apenas do vento, vou tentando me reerguer. Vou andando mesmo, já que não me sobraram asas. Ontem colhia frutos do pomar mais doce que havia e hoje, hoje morro de pena de mim de não ter sabido resistir ao fruto proibido.
Não soube resistir à minha natureza dura e viril como uma flecha seguindo seu rumo em arco. Faço curvas como se fosse macia, mas os olhos fixos num horizonte distante. Sei caminhar e sei ficar quieta, só não sei a hora de um e de outro. E para tudo tem hora. Tem o tempo certo e o tempo errado.
Olho pela janela nesta noite que não acaba mais. Lá fora o barulho do vento pelas copas das árvores ou algum ruído pelas folhas secas do chão vão me atormentando como se algo fosse acontecer que não me fará bem. Espero o baque mas não me preparo. Não sei me preparar para sofrer.
Penso que meu gato, sozinho lá fora, pode estar em apuros. Então, como se adivinhassem meu pensamento, os cães latem. Se só eu caí essa noite, então, talvez o gato esteja apenas caçando como todos os outros. E os cães estejam apenas latindo, que é o que sabem fazer.
Minha dor eu a transformo em palavras para que não rolem pelo meu rosto em forma de lágrimas. Não quero emocionar mais do que já me emociono, exagerada. A dor de haver céu para voar e eu sem asas. Eu, que já vivi de bolhas de sabão, agora tenho pedras no bolso, mas não vou me afundar no tamisa.
Sinto todas as células do meu corpo como se elas repentinamente tivessem encolhido e pesado. Só minhas pálpebras não se rendem ao peso da hora e não me dão descanso. Ao invés, me fazem cismar sozinha como alguém que perdeu o trem e ficou na plataforma vazia. Vazia e silenciosa.
Vou sentir falta do paraíso, claro. Quem se acostumou com néctar demora para aceitar mingau. Se bem que há daqueles mingaus feitos com tal amor que abraça e aconchega sem estar perto. Não é deste que falo. Falo daquele que é fácil de engolir, mas não tem gosto de nada nem tem forma de nada. Apenas um amanhecer sem sol. Apenas a vez do outro ganhar e você pagar.
Agora que o sono me vence aos poucos, me derruba ainda mais, vou deixar que a gravidade faça seu papel sem resistência. Vou horizontalizar, eu que perdi o horizonte vou me fazer de fresta de luz. E assim ficar, um pouco longe, um pouco sem sentir para me proteger. Vou fazer de conta que não é comigo e vou abrir a janela. Mas amanhã, agora vou somente me deixar vencer pelo cansaço. Vou me deixar sozinha.
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