Fico pensando que o que fortalece uma união, o que faz dela ser ou não importante para a vida de cada pessoa envolvida nela, é sua capacidade de passar pelas coisas boas e enfrentar problemas. Quando tudo é bom um problema é um grande problema. Porque não é fácil abandonar suas violetas na janela para cuidar de uma roseira doente, mas é preciso. É preciso ver a doença como a margem de um rio: retém a água e a corredeira, é de pedra ou areia, mas faz um canal para que ele siga seu caminho. As dificuldades não são pedras no caminho. São pontos de parada na caminhada. São momentos de reabastecer, de se reorganizar, de se refazer.
Não obstante, adversidades para mim são tão impactantes que me fazem perder o apetite. Acho que deve ter uma lição para aprender, acho que estou fazendo alguma coisa errada. Acho sempre que tenho que me curvar para essas dores. Então, uma parte de mim, indomável, selvagem como um tigre assustado, reage quase à loucura a essa atitude. Quase me parto em duas, me fragmento, duvido de mim. E, de joelhos ainda, não rezo, fico olhando para meu umbigo rompido de um parto que queria ter interrompido. Que difícil ainda é viver.
Custo a acreditar que exista uma relação humana que esteja isenta de conflito. Era tudo que eu queria, mas não consegui ainda ver nenhuma que fosse ininterruptamente tranqüila. E se puser o tempo como ingrediente, fica então mais distante. Harmonia e tranqüilidade são coisas diferentes. Não vejo falta de harmonia em relações com conflitos, com momentos tensos, com experiências de viés. Porque acho natural que haja conflito, discordância, distensão, em relações realmente abertas e intensas.
Harmonia é querer a mesma coisa mesmo quando se pensa que o como seja diferente. É estar de bem quando passou o dia todo sem comer, trabalhando muito e resolvendo uma série de pendências, muito stress e frustrações, junto com boas notícias e ovos quebrados por descuido ou força demais, e poder sentar no meio de tudo isso e, ao olhar para o outro, que também passou por tudo isso, comentar que a lua está especialmente linda essa noite. Não é fácil reconhecer o pessegueiro florido, intensamente florido, no fundo da noite quando chega em casa. Mas é isso que faz a diferença entre ficar na rua e voltar para casa.
Sei disso. Fico sempre chocada com minha falta de habilidade em viver coisas em que acredito. Falo como se fosse a primeira a ser a mais harmônica na face da terra. E, no entanto, minha natureza ígnea rompe o peito a cada tapa na face, tentando desesperadamente manter o controle sobre tudo, sobre a dor.
Apesar disso, sei também que não sou bipolar ou louca por todas minhas contradições. A vida mesma é tão contraditória. Todo esforço para a vida é um passo para a morte. A vida pede oxigênio e o oxigênio oxida, destrói. Como o fogo que consome o ar para ser labareda. Imagine, então, a convivência com outra pessoa, um outro universo complexo e paradoxal como você, com opiniões próprias, com experiências próprias e que quer seu lugar ao sol tanto quanto você. Não me refiro à atitude de competição, de conquista. Pode ser dentro da cooperação, da parceria sincera, da vontade de estar junto sempre e para o resto da vida, de querer mostrar as coisas boas que aprendeu e as coisas erradas que consertou ou aprendeu também. Mesmo dentro de toda essa harmonia – não será harmonia o querer compartilhar sinceramente o bem e o mal que fez? – a complexidade de cada um encostada na complexidade do outro é como o encontro de duas estrelas, de duas supernovas, de duas galáxias. É a contradição de um muito perto da contradição do outro. É lindo quando o encontro reúne pontos fortes de cada um. Mas é um estrondo quando reúne pontos fragilizados, escuros, desconhecidos. O tempo promove todos esses encontros, os dois tipos, ou mais se houver e puder ser. O tempo potencializa as possibilidades. E o tempo não é senão a vida que passa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário