terça-feira, 3 de setembro de 2013

O que é a arte?



O que é a arte? É uma ilha cercada de mentiras por todo lado. O que é a ética? É uma ilha cercada de mentiras por todo lado. Naquilo que não se diz, uma possibilidade única. De morder a isca e ser fisgado pelas entrelinhas, ou dar o passo seguinte e se afundar na lama. Porque a arte da vida é não mentir nunca e ainda assim se inventar o tempo todo. Ser uma invenção de si mesmo, sem molhar os pés no charco, sem forjar de si a imagem que nunca será. Chegar tão perto da luz que, para não fazer sombra, aprender a ser transparente.

E no rodopio que o vento faz nos cabelos, deixar de ser o personagem para ser o retrato. Olhar como quem sabe bem o falso, o engano, o escuso. E deixar cair atrás, no rastro de quem você é, o laço fingido de quem gostaria. Em que verdade acreditaria? Na promessa vã de ser para sempre o gesto, o aceno imperceptível, a coragem incandescente de dar o próximo passo, o próximo estúpido passo além do precipício? Ou na loucura risonha e borbulhante de quem experimentou o outro lado, o lado de fora, a chuva caindo fria, embaçando os olhos e engasgando rouco?

Sim, há poesia bastante na parede nua e instigante, vazia. E todas as palavras em socorro mentindo a dor e a alegria de cada som. Toda a verdade como um mar insólito e inóspito, salgado e estéril, sério e dolorido, encobrindo o horizonte. A verdade é uma flor roxa subindo entrelaçada pela abóboda da entrada. E quem a vê sonha que encontrou tudo. E ela apenas se metamorfoseando em outra, finge bem como uma criança. Faz voz mouca, faz-se de tonta. A verdade, como a mentira, um bilhete de teatro.

Existe uma verdade possível? Ou todas impossíveis na vez de se apresentar? A paleta de tinta, a caixinha de especiarias, o chocalho de tililins, todos na invenção de mais um dia? Amanheceu um conto, uma história de carochinha, a ilusão amarela de haver emoção em cada palavra. A mentira emocionante de uma criança mergulhando de cabeça no riacho de pedras.

Verdade ou mentira, a arte inventa e a poesia desmente. Troca moedas por bilhetes vencidos, troca a noite pelo dia, troca a mãe por uma emoção. Na sombra que a árvore projeta, a dança calma de roda. Vai, menina, vai contar estórias de dormir enquanto ainda é escuro. No escuro, fechando os olhos, acredite que ninguém mais enxerga. A arte mente de olhos abertos. E a vida é a ética de olhar nos olhos. E sustentar.

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