O que é a arte? É uma ilha cercada de mentiras por todo
lado. O que é a ética? É uma ilha cercada de mentiras por todo lado. Naquilo
que não se diz, uma possibilidade única. De morder a isca e ser fisgado pelas
entrelinhas, ou dar o passo seguinte e se afundar na lama. Porque a arte da
vida é não mentir nunca e ainda assim se inventar o tempo todo. Ser uma
invenção de si mesmo, sem molhar os pés no charco, sem forjar de si a imagem
que nunca será. Chegar tão perto da luz que, para não fazer sombra, aprender a
ser transparente.
E no rodopio que o vento faz nos cabelos, deixar de ser o
personagem para ser o retrato. Olhar como quem sabe bem o falso, o engano, o
escuso. E deixar cair atrás, no rastro de quem você é, o laço fingido de quem
gostaria. Em que verdade acreditaria? Na promessa vã de ser para sempre o
gesto, o aceno imperceptível, a coragem incandescente de dar o próximo passo, o
próximo estúpido passo além do precipício? Ou na loucura risonha e borbulhante
de quem experimentou o outro lado, o lado de fora, a chuva caindo fria,
embaçando os olhos e engasgando rouco?
Sim, há poesia bastante na parede nua e instigante, vazia. E
todas as palavras em socorro mentindo a dor e a alegria de cada som. Toda a
verdade como um mar insólito e inóspito, salgado e estéril, sério e dolorido,
encobrindo o horizonte. A verdade é uma flor roxa subindo entrelaçada pela
abóboda da entrada. E quem a vê sonha que encontrou tudo. E ela apenas se
metamorfoseando em outra, finge bem como uma criança. Faz voz mouca, faz-se de
tonta. A verdade, como a mentira, um bilhete de teatro.
Existe uma verdade possível? Ou todas impossíveis na vez de
se apresentar? A paleta de tinta, a caixinha de especiarias, o chocalho de
tililins, todos na invenção de mais um dia? Amanheceu um conto, uma história de
carochinha, a ilusão amarela de haver emoção em cada palavra. A mentira
emocionante de uma criança mergulhando de cabeça no riacho de pedras.
Verdade ou mentira, a arte inventa e a poesia desmente.
Troca moedas por bilhetes vencidos, troca a noite pelo dia, troca a mãe por uma
emoção. Na sombra que a árvore projeta, a dança calma de roda. Vai, menina, vai
contar estórias de dormir enquanto ainda é escuro. No escuro, fechando os
olhos, acredite que ninguém mais enxerga. A arte mente de olhos abertos. E a
vida é a ética de olhar nos olhos. E sustentar.
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