Não. Eu não sei o meu nome, não sei qual o meu rumo. Sem
documentos, sem sapatos, apenas sede. A boca seca. Um pouco de cabelo caindo
nos olhos. E passos lentos sob uma postura firme. Sem direção. Ou sentido. Ou
sinal aberto para seguir em frente. Eu e todos meus neurônios supostamente
funcionando andando para lugar algum. Quem ganha não conquistou nada.
Sei, meu nome é aquele que se perdeu no deserto sob o sol do
meio-dia. Sem deixar sombra. Sem deixar rastros. O vento ininterruptamente
desmarcando minha trilha. Quando não se vai a lugar algum, nunca se está
atrasado, e nem perdido. Também não surpreende ninguém, ou faz feliz alguém. E
quem quer a felicidade? Um amontoado de impressões abrindo a boca e mostrando
os dentes? Não, não e não. Quem não canta a bola e não mostra a caçapa, não
ganha nada.
Porque a vida não é uma coincidência. Não é um caminho à
toa, tomado por sorte. A vida não aparece no espelho quando você apenas acorda
e diz bom dia antes de abrir a torneira e lavar o rosto. A vida, sobretudo a
boa vida, a vida que se espalha por todo lado e em todas as direções, a vida
realmente grande, não está esperando no ponto, ou na esquina para que você
dobre sem olhar e lhe caia nos braços.
A cada passo seguro ou não, a cada balanço dos pés no ar
antes de pisar o chão firme, um a um, uma decisão ou escolha fará tudo mudar,
girar, correr ou escorrer. Fará uma criança ou talvez uma história passageira.
Deixará marcas ou apenas cicatrizes sem rosto. Permanecerá além do tempo e do
espaço ou piscará duas vezes antes de apagar para sempre.
Enquanto isso, enquanto o dia não chega, na noite que
atravesso, vou fazendo meu espetáculo. Leituras dramáticas. Gestos vibrantes.
Passos de valsa. Sapateado, nariz pintado, e a voz rouca. Sob a luz de
holofotes e o calor da cena, vou arrancando risadas, tropeçando e andando, e
mantendo a cabeça ereta. Se tenho que flexionar, que seja o joelho. Se tenho
que voltar, que seja o olhar.
Na distância que a cada dia fico de chegar em mim, vou
deixando recados para quando enfim me encontrar. Um bocado de estrelas aqui, um
acompanhamento sonoro de pássaros ali, vou deixando palavras, histórias, vou
registrando cenas que já se foram, já não são mais, porque o tempo engana. O
tempo não existe. Escrevo agora minha última frase antes de encontrar o vento
do outro lado da porta. Escrevo no vidro embaçado por eu ter chegado tão perto,
escrevo minha passagem por esses lados. Assim, amanhã ou depois, quando então
eu voltar, saberei quem fui e o que fiz. Saberei apenas. E bastará.
Meu Deus que alma essa que esboça tanta beleza de ser!!!
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