Não é fácil mudar. Talvez por esse motivo sempre houve ritos de passagem. Toda transição é uma forma de trauma. Quando se é criança, acredita-se no fantástico. Amigos invisíveis, sorte, mágica. O sobrenatural para umas pessoas continua na vida delas em forma de superstições, comer isso, vestir aquilo, usar seu anel da sorte, ler horóscopo. Será que acreditar em deus é uma forma de crença no sobrenatural? Será que um dia, ao acordar uma pessoa vai rir-se de ter acreditado a vida toda nesse deus?
Hoje não há mais tempo para ritos. As mudanças acontecem a cru. Não há lugar para mentiras boazinhas, doçuras fingidas, palavras lindas para acobertar um possível feio, duro, áspero. Ilusões. Mas se for pensar bem, tudo na vida é ilusão. A própria Terra é uma ilusão de solidez de um núcleo de ferro líquido e em chamas. Em resposta a essa ilusão, um terremoto é um trauma. Quantos terremotos se tem que passar para aprender que a vida é a dança e não o salão?
Mas a criança que nasce acreditando naquilo que não vê é menos sábia do que o adulto que só mede seu sucesso por aquilo que realiza? Crescer, mudar de um para outro, trocar os dogmas, passar a ter as próprias chaves, não precisa ser traumático, decerto. E nem tudo que se sabe quando pequeno deve ser perdido quando crescido. A lição errada é sempre uma coisa que enfraquece, rebaixa. Aquilo que remete ao alto, à clareza e alegria – todo o verdadeiro conhecimento traz alegria – essa é a verdadeira lição da vida. Tornar-se um adulto que acredita na magia, na beleza vazia, inútil, de uma paisagem, de um lago plácido, de um rio que cresce em corredeira, essa uma boa razão para viver.
A luz do sol é quente, a luz da lua é fria, a luz que irradia uma pessoa inconsciente dela mesma, generosa, no entanto, é morna como um abraço apertado. Tem pessoas que são especialmente calorosas na sua luz a ponto de iluminar mais do que o seu próprio caminho. Esse é o ponto do crescer que pode levar alegria sem grandes gestos, heroicos gestos, gestos teatrais. Crescer sem drama. Hoje as mudanças não têm tempo de ritos porque dispensaram as emoções conflitantes. A luz de cada um, seja uma vela ou uma lanterna, seja um holofote ou um farol, está dentro de um armário cuja chave está no bolso. Quantos já sabem disso?
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