quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Acreditar me salva

A minha natureza é acreditar. Pode ser a história mais surpreendente. Pode ser a conversa mais mole, ou mais incrível. Pode não chamar testemunhas, pode não ter nenhuma prova. Eu acredito. Acreditar é um pouco acender o fogo que aquece o peito, que faz queimar a escuridão, que desintoxica, que renova.

Eu acredito naquilo que não vejo. Até porque, somos feitos de coisas que não vemos. Milhões de átomos, micróbios, bactérias, coisas tão minúsculas que, no entanto, nos tornam sólidos e visíveis. Acredito numa palavra dada mais do que em fotos publicadas, em fatos revelados ou histórias contadas para serem críveis.

Sim. Isso é diferente de se deixar manipular, se deixar enganar. Acreditar quer dizer estar aberta, e não que me tenha tornado boba. Dá para ouvir uma história mirabolante, mas dá também para observar até onde ela vira um conto de fadas ou de carochinha.

Se acredito assim na vida e nas pessoas e na possibilidade de ser diferente da próxima vez, e da próxima, é porque me alimento dessa confiança. Confiar tem mais proteína do que carne. Tem mais adrenalina ou serotonina do que correr ou ser feliz. É um elixir, na verdade. E para aqueles que, como eu, veem nela a substância da própria vida, ela acalma, cuida da ansiedade, traz novos sonhos. Acredito até mesmo que a autorregeneração reside aí.

Acreditar ainda que acabe a luz, ainda que os ânimos se exaltem, que falte energia para sorrir, e tudo o mais parece longe e insólito. Não é outra coisa que me faz levantar da cama pela manhã, ou me faz seguir em frente em dias de chuva intensa, quando faz dias de lamaçal ou todos já foram dormir.

Não vou dizer que não vivo sobressaltos por acreditar. Vivo. Chego a perder o ar e me faltar o chão quando o que acreditei me levou ao precipício. E, olhando a altura infame, ainda assim me debrucei perigosamente em suas bordas, tive vertigens, escorreguei, me agarrei em raízes mortas, me esfolei, pensei que ia morrer. Acreditar não me impede de correr riscos, ou de sofrer perdas. 

Sobretudo, não elimina as ilusões. Mas ilusão não tem nada a ver com confiar.
O fato de acreditar que o meu barquinho vai conseguir atravessar o oceano não significa que eu tenha a ilusão de que não encontrarei marolas, tubarões ou outros perigos. Significa que eu acredito em sua estrutura, que confio na minha navegação, e sei que, com bússolas, mapas e combustível, poderei chegar onde quiser.

A beleza da confiança me salva.De onde ela vem? Como se chama? É um deus ou uma deusa? Estendendo a mão na minha direção, cuidando para que tudo me seja dado, e tudo esteja de acordo. E me pondo no colo quente e carinhoso da vida, me prometendo a vida que quero. Não exigindo de mim senão o gesto, a atitude, um passo além.


Acreditar me salva. Sou eu estendendo pontes para mim mesma? Deixando bilhetes com rotas que deram certo, com rumos que deram em nada? Está dentro de mim ou é uma rede que me perpassa ligando quantos outros numa certeza de braços abertos? Eu não sei o que é, mas é da minha natureza.

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