sexta-feira, 1 de julho de 2016

Plantar batatas

Antes que alguém me mandasse, fui plantar batatas, vinte batatinhas, para ser mais precisa. Não tinha ideia de como se fizesse isso, de verdade, para quem quer colher depois. No entanto, pareceu-me fácil: vinte covinhas espalhadas pelo quintal em terra macia, uma batatinha já brotando em cada uma. E esperar pelo resultado. Afinal, tudo na vida imita o funcionamento das coisas. A boa intenção de hoje pode dar frutos amanhã. Ou mostrar-se um grande fiasco. Aliás, fiasco é não ter plantado pra não correr o risco de estar errado. Ou certo.

Abri bem a água para escorrer sobre a terra onde havia plantado. Assim, a terra ficou mais preta e macia. E, sob o sol, fez subir um cheiro de terra, correndo para todo lado. A água, como as emoções, se puder, espraia. Só corre num caminho se for obrigada. Eu acho que toda a água do rio só está ali por falta de escolha. Se ela pudesse mesmo, estaria em toda parte, entrando em todos os lugares, penetrando sob as folhas secas, os galhos soltos, as pedras.

Depois de ter que lidar com a ansiedade de ver nascerem os brotos, e aprender a esperar o tempo que o tempo de tudo tem, foi uma alegria ver despontar um resultado tão bom de ações experimentais. Lá estavam elas, mostrando que sabem para onde tem que ir. Lá estavam as mudas crescendo, prenunciando que poderei ter batatas no futuro. Por ora, apenas um compromisso de aguar todo dia.

Nesse tempo de querer vir o inverno, falta chuva. Ou melhor, não sei se falta ou é assim mesmo: o ar é seco. E eu gosto. Gosto desse frio intenso de dia, apesar do sol, e noite limpa e estrelada. Gosto de ter que usar cachecol no pescoço e boinas, gorros e chapéus para proteger do frio a cabeça. Gosto da brisa fria batendo no rosto. Os gatos vêm se encostar para dormir quentinhos enquanto leio sentada no sofá. E tudo é mais translúcido.

Embora não chova, às vezes uma névoa se forma no final da tarde encobrindo a paisagem. Parece que entrei num sonho, de repente. Tudo fica insólito. O mundo desaparece. O que era conhecido submerge em metades, em partes, em sinais. Há que seguir com cautela mesmo pelo caminho de todo dia.

Plantei também outras mudas. Eu sei que é insistir muito plantar no inverno, na montanha. Mas eu não resisto. Ganhei as mudas numa feira de trocas e não posso ficar acreditando nas impossibilidades mais do que nas oportunidades. É um risco para o sim. Sim, brotarão. Sim, vingarão. Sim, terei uma cerca de ora-pro-nobis e suas flores lindíssimas, entremeada de malvaviscos.

E, para me resguardar do frio em dias em que o sol não aparece senão sob brumas, acendo um fogueiro com lenhas do quintal. Deixo-me hipnotizar pela dança das chamas e pelo crepitar das brasas. E me aqueço. Sob esse encantamento, sei que estou protegida, amparada.

Talvez daqui a alguns dias possa assar batatas nessas brasas, que além de me aquecerem ainda me alimentarão. E nunca poderei reclamar da vida que me provê diariamente, cotidianamente, diligentemente.

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