sexta-feira, 1 de abril de 2016

nem caça, nem caçador

Agradeço à cientista que fez um vídeo demonstrando sua teoria de que nós, humanos, diferenciamos nosso cérebro devido ao fato de que aprendemos a cozinhar. Cozinhando o alimento, e, portanto, facilitando a digestão, ganhamos tempo de vida. Não precisamos passar o dia todo pensando no que iremos comer e nem passamos o dia todo digerindo o que ingerimos. Talvez, se ela estiver certa, esse fato combinado com o próprio desenvolvimento do córtex cerebral tenha inibido uma característica da maioria dos primatas: ser predador.

Hoje não mais. Competidor sim, mas predador não. Competidor quase ao ponto de ferir, violentar, construindo casas umas sobre as outras, perdendo a capacidade de nos sensibilizar com o outro, deixando de ser empáticos senão com nossos familiares. Mas predador, nesse sentido exato, não. Está certo que a consciência adquirida ainda perde um pouco desse tempo ganho justificando atitudes beligerantes, um tanto guerreiras e onipotentes. Usamos nossa capacidade desenvolvida para explicar nossos gestos mais aberradores, como matar animais, desmatar florestas, manipular outras pessoas, usufruir de tudo que encontramos pela frente sem nos preocupar senão com uma saciedade obsoleta. Até a miséria no mundo é forjada. E poderia ser redimida com um esforço extra do cérebro.

Desenvolvemos o córtex cerebral num ponto especialíssimo, cozinhando nossos alimentos e deixando-nos com tempo para viver sem pressa, sem tensão. Comemos o que precisamos sem necessidade de ficar vigiando se algo mais forte virá nos roubar ou nos devorar. Estamos no topo da cadeia evolutiva, auto proclamado o mais desenvolvido. No entanto, paralisamos diante de uma abordagem mais direta, de uma crítica certeira, qualquer coisa que fuja ao controle.

Talvez, em muitos momentos, tenhamos dificuldade em sustentar o olhar no olhar do outro, coisa de predadores. E de não darmos respostas quando nos sentimos ameaçados, seja por um gesto, seja por uma carta, uma palavra. Até quando essa ameaça possa advir de um sentimento interno, pequeno, de impotência, de fragilidade. Aliás, ser frágil ainda é um problema para esse ex-predador que não virou de todo a chavinha. E que não sabe lidar completamente com adrenalina descarregada no sangue.

Temos medo de ser tolos, de ser inocentes, de rir por bobeira, de parecer bobos. Temos aversão pelo lado feminino da vida, de esperar, de sentir, de perder. E perder é tudo aquilo que nos frustra: do desejo não atingido ao tempo perdido no investimento mal sucedido. É muito difícil admitir a frustração em não atingir objetivos ou não realizar desejos. É quase impossível. Mais fácil aceitar o fato do que admitir o motivo. Aliás, nada é fácil em matéria de frustração. E nesse bololô entra não aceitar o fim da vida, o fim do prazo, o fim de qualquer coisa.
É engraçado pensar que foi justamente um gesto tipicamente feminino – cozer e nutrir – que nos possibilitou fazer essa trajetória de desenvolvimento cerebral. E, portanto, nos afastando desse ser predador original. Mesmo que falte muito para o equilíbrio da balança, o passo foi dado.

Quanto a mim, gosto de pensar que a evolução me atingiu bem mais que um córtex, ou na quantidade de neurônios, herança ancestral e benevolente. Que, embora eu mesma tenha medo de e-mails recebidos, com interesse na minha vida, e que tenha me quedado paralisado sem resposta, na surpresa, como um confronto, um olhar que me espreitasse, eu gostaria de saber de mim que tenha evoluído para uma pessoa melhor. Melhor para meus próprios padrões. Melhor do que eu pudera sonhar a vida toda que já vivi. E usar meu corpo e emoções para realizar o que esse cérebro consegue ministrar. Agir como um ser diferenciado no planeta.

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