Escrevo porque a palavra pesa quando não se expressa. Pesa nos
intestinos, no peito. É como um dia sem descanso. Depois de rolar uma pedra
montanha acima. E vê-la escorregar novamente no dia seguinte. Porque dói como
um grito sufocado, uma hérnia de disco, um joelho atarracado. Porque pesa como
pálpebras que não se mantêm abertas na frente de um livro, quando o dia acabou
antes da tarefa.
Escrevo porque não tenho escolha. A palavra me escolheu, não
fui eu a ela. A palavra procura outra incessantemente, desenfreadamente, dentro
ou fora. Procura por outra para se conectar, como um elétron, como um átomo
procura outro, como a maçã procura o chão.
E assim, como teias entranhadas, elas vão girando a boca do estômago,
enjoando, vertigem de significantes, o ombro mareado. Não adianta dormir, não
descanso. Nem tentar esquecer, é uma tatuagem que não para de doer.
Escrever, quando não é cotidiano e não escorre feito
lágrima, lenta e quente, desmorona como tempestade.
Assim, no rodopio sem medo da noite, elas surgem. Frêmito
subindo pela coluna vertebral. Calculadamente. E depois, uma chuva de flechas
certeiras. Veias em erupção vulcânica. A alma em relâmpago destroçada. No
trabalho de recompor-se, muito sereno e febre. E o perfume obstinado de sândalo
e musgo.
Não. Escrevo porque me dói como se fosse a cabeça, me dói
como se fosse descalça. É como ter bebido demais na véspera. E olhar no espelho
de manhã, encarar a alma nua, perdida, e se encontrar. A palavra dura feito
vento frio endireitando os ombros. Escrevo. Quando todos já foram dormir, e a
noite silenciosa a tudo envolve, quando a coruja pia lá fora, e o estômago pede
algo mais. Não adianta olhar para o telefone, nem pensar em falar com ninguém.
Escrevo porque é urgente. O mundo está se acabando, o telhado ruindo, a
enxurrada correndo por dentro da sala. Eu queria dormir, mas a palavra.
E então, depois, como o gozo dos que sabem o que querem,
sabem e pedem de que gostam, a palavra, enfim, desponta num estremecimento,
deságua, descortina, desvirgina. Irrompe a secura na garganta, enlaça e vem à
tona numa trama sem nós. E sim, agora viro de lado e durmo sem fim.
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