quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Escrevo porque



Escrevo porque a palavra pesa quando não se expressa. Pesa nos intestinos, no peito. É como um dia sem descanso. Depois de rolar uma pedra montanha acima. E vê-la escorregar novamente no dia seguinte. Porque dói como um grito sufocado, uma hérnia de disco, um joelho atarracado. Porque pesa como pálpebras que não se mantêm abertas na frente de um livro, quando o dia acabou antes da tarefa.

Escrevo porque não tenho escolha. A palavra me escolheu, não fui eu a ela. A palavra procura outra incessantemente, desenfreadamente, dentro ou fora. Procura por outra para se conectar, como um elétron, como um átomo procura outro, como a maçã procura o chão.  E assim, como teias entranhadas, elas vão girando a boca do estômago, enjoando, vertigem de significantes, o ombro mareado. Não adianta dormir, não descanso. Nem tentar esquecer, é uma tatuagem que não para de doer.

Escrever, quando não é cotidiano e não escorre feito lágrima, lenta e quente, desmorona como tempestade. 

Assim, no rodopio sem medo da noite, elas surgem. Frêmito subindo pela coluna vertebral. Calculadamente. E depois, uma chuva de flechas certeiras. Veias em erupção vulcânica. A alma em relâmpago destroçada. No trabalho de recompor-se, muito sereno e febre. E o perfume obstinado de sândalo e musgo.

Não. Escrevo porque me dói como se fosse a cabeça, me dói como se fosse descalça. É como ter bebido demais na véspera. E olhar no espelho de manhã, encarar a alma nua, perdida, e se encontrar. A palavra dura feito vento frio endireitando os ombros. Escrevo. Quando todos já foram dormir, e a noite silenciosa a tudo envolve, quando a coruja pia lá fora, e o estômago pede algo mais. Não adianta olhar para o telefone, nem pensar em falar com ninguém. Escrevo porque é urgente. O mundo está se acabando, o telhado ruindo, a enxurrada correndo por dentro da sala. Eu queria dormir, mas a palavra. 

E então, depois, como o gozo dos que sabem o que querem, sabem e pedem de que gostam, a palavra, enfim, desponta num estremecimento, deságua, descortina, desvirgina. Irrompe a secura na garganta, enlaça e vem à tona numa trama sem nós. E sim, agora viro de lado e durmo sem fim.

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