quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Spazio Pirandello


Spazio Pirandello – assim é se lhe parece. Passo na frente desse que foi o meu restaurante preferido e não existe mais. Será que a comida era realmente muito boa ou minha memória desse tempo é que me deixa com ar nostálgico e repleto de boa vontade? Não, era sempre muito divertido ir lá, encontrar amigos, conversar, beber e, claro, comer. Tinha uma vivacidade cultural.

Fui para São Paulo e acabei indo no bairro que já morei. Era um festival gastronômico. Onde está o Longchamp? Ia comer lasanha, tomar um bom chopp e desfrutar de uma sobremesa que nunca mais comi sequer parecido: compota de goiaba com catupiry. Parece trivial? Normalmente era bem tarde da noite, talvez madrugada e o seu copo não poderia esvaziar que era logo substituído por outro novinho e gelado, colarinho apropriado.

Desci a Frei Caneca a pé. Será que o prédio em que morei continua igual? Não, no lugar dele um shopping. Minhas madrugadas insones eram repletas de caminhadas por essas ruas. No Orvieto ia comer filé à fiorentina, com um molho de espinafre que me dá água na boca só de lembrar. Também não há mais. Mas a Bologna continua. Nesse tempo ainda comia carne e a melhor coxa creme de frango era na esquina da Augusta com Marques de Paranaguá. 

O tempo passa e as lembranças ficam intactas. Hoje a rua está decadente, suja, com portas pintadas e rabiscadas por alguém que não tem a menor noção do que é grafite de verdade. Eu antes era da cidade, me perdia nela e me achava. Sabia o lado da rua que devia andar. Cheguei a deixar as chaves do carro no contato numa daquelas noites. Sem querer, obviamente. Quando me dei conta, já estava sentada no restaurante esperando meu prato. Uma correria e nenhum problema: ninguém acreditou no que viu, imagino.

E no Bexiga? Cafés, comidas italianas, pães de padarias tradicionais, restaurantes onde o garçon a certa altura começava a cantar ópera – ou o que parecia ser – no meio do salão. Garçons que deveriam trabalhar na casa a vida toda, tão íntimos eram da comida, tão íntimos dos clientes. Naquela época eu pensava que tinha sangue italiano correndo nas minhas veias, tanto eu gostava de morar no bairro e frequentar aquelas cantinas.

Pão de linguiça, perna de cabrito, pizza com massa grossa, berinjela à parmegiana. Lasanha à bolonhesa, talharini à parisiense, penne al funghi secchi. Tudo isso povoou minhas fantasias mais famintas principalmente à noite. Fantasias prontamente realizadas bastando colocar-me à rua. Hoje tudo é muito melancólico. Lugares fechados, ruas sujas, nomes estranhos nas portas. Tudo muda e tudo passa, bem sei. O bom é que continuo sentido o gosto dos pratos que me faziam sair de casa. Mudei muito também, já não como carnes, mas mesmo assim, lembrar é fazer água na boca, é sentir o gosto de novo. Viver não precisa ser heroico quando se tem memória da vitalidade de um dia como todo dia. E, afinal, não faz tanto tempo assim, apenas o bairro mudou, não há mais os mesmos pratos. Até eu não moro mais lá. Somente uma teimosia reticente continua me levando para quando a felicidade era uma promessa do lado de fora casa, no movimento da rua, no passar dos faróis dos carros, enfim, num lugar em que o tempo passava correndo. Urbis. Definitivamente não sou mais um ser urbano.

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