Calma, um dia após o outro, respira, expira, respira, expira calmamente. Tudo passa, tudo é cíclico até o momento que acaba o carma. Calma. Respira, expira, relaxa. Pode-se ver a beleza da vida até mesmo onde é menos provável, até mesmo na morte. O fim. O fim que quase tudo parece ter na Terra. Mas até uma vida com fim esperado um dia vai acabar. E se deus é eterno, somos todos enfim. E um dia escapamos desse infindável começar-acabar.
E o que espero agora é acabar. Acabar com aquilo que se arrasta por tempo demais, por vida demais, carregando tanta emoção perdida, seca de ter sido esquecida ao sol dias e dias e noites. Uma emoção que já não pulsa, que já não consegue nem falar de si mesma. Acabar com aquilo que já findou muito antes da curva desse rio capturar a falta de força e ir represando, juntando folhas secas, galhos secos, tudo seco apesar da água do rio.
Meu olhar já se foi. Meu corpo já se foi. Minha alma há muito partiu. Nada mais está como antes. Ainda tenho um pouco de pó em cima dos móveis que não foram espantados com o barulho da tempestade. Ainda tenho um pouco de escuros nos cantos dos cômodos, incômodos, apesar dos relâmpagos lá fora. Eu já fui para o lá fora. Eu estou no lá fora. Nada senão memórias gastas e desgastadas restam pelo caminho. Acabou há tanto tempo que nem percebi a hora que abri os olhos e dei por mim. Velo não por mim ou pelo que fui, mas pelo que em mim morreu de tanto esforço, de tanto resignar.
Na saída, esbarrei no vaso de flores plantado com tanto cuidado e tanto amor – vou dizer a palavra proibida para não me arrepender depois – e mesmo assim, mesmo assim, secou como o resto. Terá faltado água? Terá faltado verdade? Terá faltado o quê meu deus? Agora seca e esquecida no vaso que caiu, a planta nem é mais planta. A flor nem é mais flor. É galho seco, cheio de espinhos e desconhecido. Carrapicho que agarra na perna da calça quando passamos no meio do mato. Até o mato, agora, ficou para trás.
A dor de partir sozinho é a mesma dor da noite escura quando criança. Tudo grande demais, tudo perigoso demais. Não sou mais criança e nem vai ser a última noite escura que passo sozinha. Só que tenho que acordar um dia azul e calmo daqui a pouco. Como queria que já fosse daqui a pouco. Como queria que já fosse amanhã e tudo que me restasse fosse um pouco de suor frio na roupa que visto. E tudo que me restasse do que já passou e morreu como as pedras largadas do caminho fosse uma memória vaga do pó e da aridez por que passei.
Por enquanto, enquanto não amanhece o azul que a vida me promete e já deu tantas outras vezes, enquanto não clareia a janela aberta da minha alma, tento apenas respirar, expirar, não conter nada dentro do peito, apenas encher e esvaziar de ar, retirando disso a calma que preciso, a lucidez que regenera as veias, para que meu sangue não se derrame demais, para que ele não circule senão onde precisa: num coração que não cansa de acreditar no amor.
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